A musculação para idosos é a melhor alternativa para atenuar as diminuições na funcionalidade e autonomia desses indivíduos. Embora seja inevitável, esse processo pode ser bastante atenuado pelo treinamento de força.
Nesse artigo, vou te mostrar quais são as principais alterações fisiológicas e funcionais que ocorrem no envelhecimento. Além disso, veremos como prescrever o treinamento de força a fim de aumentar a qualidade e expectativa de vida dos idosos.
Alterações fisiológicas decorrentes do envelhecimento.
Pelo fato de ser um processo sistêmico, o envelhecimento promove alterações fisiológicas em praticamente todo o corpo. Contudo, nesse momento quero manter o foco nas alterações que acontecem majoritariamente ao nível neuromuscular. Afinal de contas, o sistema neuromuscular é onde ocorrem as principais alterações relacionadas a perda de funcionalidade e também as adaptações ao treinamento de força.
Sarcopenia e dinapenia.
O processo natural de envelhecimento leva a reduções anuais na força e massa muscular. Contudo, em alguns indivíduos essas reduções podem se tornar ainda mais acentuadas. Nesses casos, os idosos se tornam indivíduos sarcopenicos e/ou dinapenicos.
Até o presente momento, não existe um consenso a respeito do termo sarcopenia. Inicialmente, esse termo foi proposto para se referir apenas a acentuada perda de massa muscular em decorrência do envelhecimento (1).
Nesse sentido, as perdas de força e funcionalidade eram tratadas como outro fenômeno, denominado dinapenia (1). Contudo, alguns grupos discordam da separação dos termos sarcopenia e dinapenia. Para eles, o termo sarcopenia também pode ser utilizado para se referir a perda de força e funcionalidade associadas a diminuição da massa muscular (1).
Entretanto, independente da terminologia utilizada, esses processos acarretam em piora de vários desfechos clínicos que vão além da perda de massa muscular (1):
- Diminuição da força isométrica: redução na capacidade de gerar e manter força em um determinado ângulo articular, tanto dos membros superiores quanto inferiores.
- Diminuição da força isotônica: redução na força máxima gerada contra uma carga (ex: peso de um objeto) que se move ao longo da amplitude articular.
- Diminuição da potência: redução na capacidade de gerar o maior nível de força possível no menor tempo possível.
- Aumento da fatigabilidade: redução na capacidade de manter a produção de força e/ou potência.
Em conjunto com outros fatores, o prejuízo dessas funções são fatores importantes no desenvolvimento da síndrome da fragilidade.
Fragilidade.
A síndrome da fragilidade consiste num estado de vulnerabilidade aumentada aos agentes estressores. Em outras palavras, o organismo tem dificuldade em retomar a homeostase após ser exposto a um determinado estresse, resultando em um prognóstico preocupante (2).
Nos idosos frágeis, estressores aparentemente pequenos com um novo medicamento, pequena infecção ou cirurgia, por exemplo, resultam em mudança dramática e desproporcional no estado de saúde.
Nessas situações, é comum que os idosos se tornem dependentes, acamados/institucionalizados, desenvolvam demência e tenham um maior risco de morte (2).
Embora esses desfechos sejam bastante graves, felizmente é possível evitá-lo/atenuá-lo por meio da prescrição da musculação para os idosos.
A musculação é segura para os idosos?
Antes de nos preocuparmos com os benefícios da musculação para os idosos, precisamos estabelecer o nível de segurança dessa intervenção nessa população.
O risco do treinamento a saúde do idoso deve ser analisada de forma individual. Nesse sentido, uma triagem médica pode nos ajudar a adequar o programa de treinamento a eventuais condições instáveis de saúde.
De modo geral, o treinamento de força é seguro para tanto para idosos saudáveis quanto para aqueles com alguma doença e/ou fragilidade. Contudo, é possível que durante a triagem sejam identificados casos em que o treinamento de força é contraindicado. Veja a seguir alguns desses casos (3):
Lista de contraindicações absolutas:
- Doença cardíaca coronária instável;
- Insuficiência cardíaca descompensada;
- Arritmias descontroladas;
- Hipertensão pulmonar grave (pressão arterial pulmonar média >55 mmHg);
- Estenose aórtica grave e sintomática;
- Miocardite aguda, endocardite ou pericardite;
- Hipertensão não controlada (>180/110 mmHg);
- Dissecção aórtica;
- Síndrome de Marfan e;
- Treinamento de resistência de alta intensidade (80-100% de 1RM) em pacientes com retinopatia proliferativa ativa ou retinopatia diabética não proliferativa moderada, ou pior.
Lista de contraindicações relativas (deve consultar um médico antes de iniciar o treinamento):
- Principais fatores de risco para doença cardíaca coronariana;
- Diabetes em qualquer idade;
- Hipertensão não controlada (pressão arterial sistólica >160 mmHg e/ou pressão arterial diastólica >100 mmHg);
- Baixa capacidade funcional (<4 equivalentes metabólicos);
- Limitações musculoesqueléticas e;
- Indivíduos que implantaram marca-passos ou desfibriladores.
Inegavelmente, essas situações específicas devem ser levadas em consideração para garantir a segurança dos idosos no programa de treinamento.
Adaptações à musculação para idosos.
A musculação é capaz de combater os efeitos do envelhecimento na função contrátil e morfologia do tecido muscular de idosos. Esse processo ocorre por meio de adaptações neuromusculares ao treinamento de força. As principais são (3):
- Hipertrofia muscular (Se acaso quiser uma revisão completa sobre hipertrofia muscular, acesse aqui nossa postagem!);
- Aumento do ângulo de penação e comprimento do fascículo;
- Aumento do drive neural;
- Redução das co-contrações.
Além disso, também ocorrem melhorias nas capacidades físicas e funcionalidade do indivíduo. Nesse sentido, observamos melhoras nos seguintes desfechos (3):
- Força máxima;
- Potência muscular;
- Taxa de desenvolvimento de força;
- Melhora do equilíbrio e mobilidade;
- Diminuição no número de quedas;
- Melhora no desempenho das atividades de vida diária;
- Preservação da autonomia e independência.
Para otimizar essas adaptações nos idosos, é necessário estruturar o programa de treinamento de força adequadamente.
Prescrição da musculação para idosos.
De fato, o treinamento de força é capaz de promover melhorias em vários desfechos relacionados a qualidade de vida dos idosos. Contudo, a forma com a qual o treinamento será estruturado é um aspecto fundamental para que todas essas adaptações possam ser otimizadas dentro de um mesmo programa de treinamento.
Nesse sentido, trago uma tabela que traz as principais recomendações de como estruturar a musculação para maximizar essas adaptações em idosos. As informações contidas nessa tabela foram retiradas da diretriz AQUI.
Recomendações das diretrizes para prescrição da musculação para idosos.
Recomendações gerais da musculação para idosos | ||
Variável | Recomendação | Detalhes |
Séries | 1-3 por exercício por grupo muscular | 1 série para iniciantes e idosos frágeis com progressão para 2-3 séries |
Repetições | 8-12 ou 10-15 | Deve variar de acordo com o estado de treinamento do indivíduo e intensidade utilizada |
Intensidade | 50-85% 1-RM | Iniciar o treinamento com a carga que é tolerada e progredir gradualmente. Os exercícios devem ser realizados com uma fadiga relativamente alta, mas não existe a necessidade de atingir a falha muscular. |
Exercícios | 8-10 exercícios diferentes | Priorizar grandes grupamentos musculares por meio de exercícios multiarticulares |
Modalidade | Pesos livres e máquinas | Iniciantes, idosos frágeis e/ou com limitações funcionais devem iniciar o programa com máquinas. Para idosos com maior funcionalidade podem ter maiores benefícios ao utilizarem pesos livres. |
Frequência | 2-3 vezes na semana, por grupamento muscular | Treinar cada grupamento muscular de 2-3 vezes na semana de forma não consecutiva. |
Treinamento de Potência | 40-60% 1-RM | Treinamento de potência deve ser realizado com a maior velocidade possível na fase concêntrica do movimento. Deve-se utilizar intervalos longos entre séries para evitar o acumulo de fadiga. |
Movimentos funcionais | Exercícios que imitam as atividades de vida diária | Devem ser utilizados exercícios multiarticulares, complexos e movimentos dinâmicos. Também devem ser realizadas variações nas bases de suporte e posições dos segmentos corporais com o intuito de gerar um ambiente instável (ambiente que estimule o equilíbrio do idoso). |
RM = repetições máximas
A diretriz também recomenda que o treinamento deve ser progredido à medida que o idoso se adapta as sessões. Além disso, caso o programa envolva tanto o treinamento de força quanto o aeróbio (treinamento concorrente), as sessões devem ser iniciadas pelo treinamento de força (3).
Tudo pela aderência!
Enquanto a prescrição do treinamento no esporte procura atingir o desempenho máximo, a musculação para idosos requer uma abordagem mais conservadora.
Nesse sentido, utilizar intervenções que são pouco toleradas pelos idosos em favor de ganhos que, se maiores, serão apenas marginalmente superiores, tem sido fortemente desencorajado (4, 5, 6, 7, 8, 9). A percepção que os idosos têm do programa de treinamento está entre os principais fatores que determinarão se esses indivíduos continuarão a realizar o treinamento.
Portanto, o modelo de treinamento que maximiza as respostas adaptativas pode não ser o mais efetivo se afetar negativamente a tolerância e prazer dos idosos. Nesse sentido, até as recomendações das diretrizes devem ser adequadas caso ameacem a tolerância e/ou aderência dos idosos.
Modelos de prescrição e progressão da musculação para idosos.
Para atacar esse problema, autores (4) investigaram as principais formas de prescrição e progressão da musculação para idosos. Os protocolos testados foram:
- Percentual de 1-RM: o treinamento é prescrito e progredido com base em um percentual da carga máxima utilizada para um determinado exercício. Esse modelo exige que testes frequentes de 1-RM sejam realizados para que as cargas sejam ajustadas.
- Percepção subjetiva de esforço: o treinamento é prescrito e progredido com base no esforço percebido pelo idoso. A carga é progredida todas às vezes em que o idoso relata uma percepção de esforço abaixo ou igual a 8 numa escala de 0-10. Esse modelo exige que o idoso seja familiarizado a escala de percepção subjetiva de esforço.
- Repetições máximas: as séries são realizadas com um número de repetições máximas determinada. Nesse estudo, os sujeitos deveriam atingir a falha muscular na 7ª repetição. A progressão da carga é realizada quando o sujeito realiza mais do que 7 repetições sem ajuda. Além disso, testes de repetições máximas podem ser necessários para a aplicação desse modelo.
- Repetições de reserva: esse modelo é idêntico ao de repetições máximas, com a exceção de que as séries não são realizadas até a falha. Os idosos eram instruídos a interromper a série quando percebiam que seriam capazes de realizar apenas mais uma repetição. Além disso, é necessário familiarizar o indivíduo a essa condição.
O estudo avaliou a força muscular, funcionalidade, prazer e tolerância percebida aos programas de treinamento.
Resultados do estudo.
Após 11 semanas de treinamento, os 4 modelos de prescrição e progressão do treinamento promoveram melhoras em todos os parâmetros de força e funcionalidade. Como resultado, também não foram observadas diferenças entre os modelos de treinamento.
Contudo, utilizar a percepção subjetiva de esforço para prescrever e progredir o treinamento resultou em maior prazer e tolerância comparado aos outros 3 modelos.
Além de promover maior prazer e tolerância ao treinamento, utilizar a percepção subjetiva de esforço requer apenas a familiarização do idoso com a escala OMNI.
Deixei uma versão traduzida dessa escala logo abaixo. Esse procedimento pode ser feito já nas sessões iniciais de treinamento e ao contrário dos outros modelos, não exige teste de força ou repetições máximas. Desse modo, também evitamos que o idoso treine até a falha muscular, o que pode ser contraindicado para alguns indivíduos.
Escala OMNI:
Métodos e ferramentas alternativas de musculação para idosos.
As diretrizes fazem recomendações da musculação para idosos na maioria das vezes com base nos recursos e equipamentos tradicionalmente utilizados no treinamento. Contudo, existem outras alternativas que podem ser bastante uteis.
Treinamento suspenso.
Uma dessas alternativas é o treinamento suspenso. O treinamento suspenso, também conhecido comercialmente como TRX® é um método de treinamento no qual segmentos corporais são presos a fitas de suspensão. Nesse sentido, a suspensão do corpo cria instabilidade e permite a utilização do peso corporal como carga para realizar exercícios para o corpo todo.
A variedade de exercícios que podem ser realizados no treinamento suspenso permite treinar praticamente o corpo todo, ainda que equipamentos tradicionalmente não sejam utilizados.
Além do treinamento suspenso promover benefícios similares a outros programas de treinamento mais tradicionais, esse método também é bastante versátil (10). As fitas de suspensão ocupam pouco espaço e podem ser implementadas em centros de reabilitação, hospitais e até na residência dos idosos.
Além disso, o preço das fitas possibilita que profissionais iniciantes consigam atender seus clientes/pacientes por meio de um equipamento com ótimo custo-benefício.
Projeto VIVIFRAIL.
O projeto VIVIFRAIL é um programa promove o exercício físico e tem sido reconhecido internacionalmente pelas intervenções comunitárias e hospitalares. O programa foi criado a fim de prevenir da fragilidade e de quedas em idosos. Atualmente, mais de 5.000 profissionais da saúde utilizam o projeto fazendo com que mais de 15.000 pessoas se beneficiem.
Esse projeto conta com um aplicativo de celular que classifica o nível de funcionalidade do idoso através de testes que podem ser realizados em casa. Então, a partir dessa classificação, o próprio aplicativo fornece exercícios em formato de vídeo que podem ser realizados pelo idoso no próprio domicílio.
Também existem 4 cartilhas de exercícios que podem ser realizados em casa. Nesse sentido, cada uma das cartilhas é pensada para atender um diferente nível de funcionalidade dos idosos. Veja as 4 cartilhas disponíveis abaixo:
Caso você seja um profissional de educação física, o aplicativo pode ser utilizado de duas formas. A primeira, é fornecer testes para classificar o nível de funcionalidade do seu cliente/paciente.
Além disso, você pode utilizar os exercícios que o aplicativo fornece para adicionar ainda mais elementos no programa de treinamento que você planejou.
Para acessar o site oficial do projeto VIVIFRAIL clique AQUI!
Consumo adequado de proteínas de alta qualidade.
O consumo de doses adequadas de proteínas de alto valor biológico deve ser feito juntamente do programa de treinamento. Essa conduta tem o objetivo de maximizar os resultados obtidos com a musculação.
Conclusão.
O processo de envelhecimento é algo que foge ao nosso controle. Contudo, temos o treinamento de força pode nos ajudar a controlar a forma e qualidade com a qual envelhecemos. Por meio do treinamento de força, podemos atenuar os efeitos do envelhecimento, aumentando nossa expectativa e qualidade de vida.
As diretrizes são importantes ferramentas que nos ajudam na prescrição do treinamento! Além disso, nossa maior preocupação deve ser manter a aderência dos idosos ao programa. Além do treinamento de força tradicional, existem alternativas mais versáteis que nos auxiliam na promoção do exercício físico para a população idosa.
Gostou do nosso post? Compartilhe para que mais pessoas saibam como atender a população idosa e ajudá-la a ter uma maior qualidade e expectativa de vida.