A falha muscular é uma estratégia de treinamento muito utilizada nas salas de musculação. Contudo, a maioria das pessoas que utiliza essa estratégia não conhecem seu real potencial. Meu objetivo nesse artigo é te mostrar o que é e quais os tipos de falha muscular e como utilizá-las no treinamento. Você verá que a falha muscular pode nos ajudar a simplificar as sessões de treino e ainda assim otimizar as respostas ao treinamento.
O que é a falha muscular?
A falha muscular é o momento em que a realização de um determinado exercício é interrompida devido ao elevado nível de fadiga acumulada (1). Além disso, a forma com a qual o treinamento está sendo realizado e o critério utilizado para a interrupção do exercício determina o tipo de falha muscular.
Nos tópicos a seguir vou te apresentar os dois principais tipos de falha utilizados no treinamento.
Falha muscular concêntrica.
A falha muscular concêntrica é alcançada naturalmente quando as repetições em um exercício são realizadas ininterruptamente até que um nível elevado de fadiga se acumule. Quando um determinado nível de fadiga é atingido, a realização do exercício é interrompida pela incapacidade de realizar a fase concêntrica do movimento (1).
Em outras palavras, o praticante não consegue mais empurrar ou puxar o peso. Nesse sentido, a falha muscular concêntrica não é realizada num momento escolhido e não depende da subjetividade de quem está treinando.
Interrupção voluntária do exercício.
Ambos os termos “interrupção voluntária” ou “falha voluntária” podem ser encontrados em outras fontes de informação. Na maior parte das vezes, esses termos são utilizados como sinônimos. Contudo, nós utilizaremos o termo “interrupção voluntária” para sermos fieis às informações apresentadas pelos estudos que virão a seguir.
A interrupção voluntária também é bastante comum entre os praticantes de musculação. O praticante realiza as repetições até atingir um elevado nível de fadiga, mas interrompe o exercício algumas repetições antes de atingir a falha muscular concêntrica (2).
Para garantir um elevado nível de fadiga, os estudos sugerem que a interrupção seja realizada entre 3 e 5 repetições antes da falha muscular concêntrica (2, 3, 4). Nesse sentido, ao contrário da falha muscular concêntrica, a interrupção voluntária é determinada de forma subjetiva e não pela incapacidade de mover a carga.
Para que serve a falha muscular?
Realizar o treinamento até a falha é uma estratégia que promove uma elevada fadiga nas unidades motoras (junção entre neurônio motor e fibra muscular) (2). Conforme as unidades motoras vão entrando em fadiga, mais unidades motoras precisam ser recrutadas para possibilitar a execução do exercício (2).
O resultado é que no momento em que a falha é alcançada, um número muito elevado dessas unidades motoras teve de ser recrutado (5, 6). Nesse sentido, quanto mais unidades motoras são recrutadas, maior é o estímulo que o músculo recebe para se adaptar ao treinamento (7).
Portanto, a falha muscular serve para estimular as adaptações do maior número de unidades motoras possível por meio da fadiga.
Falha muscular concêntrica vs. interrupção voluntária.
Talvez você esteja se perguntando se as adaptações ao treinamento podem ser diferentes quando comparamos a falha muscular concêntrica e a interrupção voluntária. Recentemente, dois estudos compararam os efeitos do treinamento realizado até a falha muscular concêntrica com a interrupção voluntária do exercício.
Foram demonstrados aumentos similares na força e massa muscular entre os dois tipos de treino, tanto em praticantes iniciantes (3) quanto experientes de treinamento (4). Vale destacar que o protocolo de interrupção voluntária foi realizado próximo da falha concêntrica. Também foi demonstrado um nível de ativação muscular (medido pela amplitude do sinal eletromiográfico) similar entre os protocolos quando intensidades parecidas foram utilizadas (3, 4).
Resumidamente, ficar próximo da falha por meio da interrupção voluntária parece ser o suficiente para estimular as unidades motoras e consequentemente as adaptações ao treinamento.
Como alcançar a falha?
Treinar até a falha é algo relativamente simples, independentemente do tipo de falha que se busca. Como vimos anteriormente, basta que as repetições sejam realizadas até se atingir um elevado nível de fadiga. Contudo, se não consideramos outras variáveis do treinamento, podemos atingir a falha muscular num momento muito precoce ou até tardio dentro da série.
Atingindo a falha por meio da intensidade.
A intensidade (carga) é uma das variáveis que determinam o momento em que a falha muscular acontecerá dentro de uma série. Quanto maior a intensidade utilizada, mais precocemente a falha acontecerá dentro da série. Por outro lado, quanto menor a intensidade, mais tardiamente a falha será alcançada.
Se acaso se interessar, acesse nosso artigo completo sobre intensidade do treinamento!
Atingindo a falha por meio da pausa entre séries.
Outra variável que pode afetar a falha muscular é a pausa entre séries. Quanto maiores forem as pausas entre séries, menor tende a ser o acumulo de fadiga. Portanto, nas séries seguintes será possível realizar mais repetições antes de atingir a falha muscular. O contrário também é verdadeiro. Pausas curtas entre séries tendem a promover um maior acúmulo de fadiga e consequentemente, um menor número de repetições nas séries seguintes. Acesse nosso artigo completo para saber mais sobre a pausa entre séries!
Atingindo a falha por meio da velocidade de execução.
A cadência (velocidade de execução) dos exercícios também afeta o momento da falha dentro da série. Quanto maior for a velocidade de execução, mais repetições poderão ser realizadas até que a fadiga se acumule o suficiente para induzir a falha muscular. Por outro lado, o número de repetições até a falha muscular é menor em treinamentos com velocidades de execução muito lentas. Geralmente, quando a velocidade de execução é muito lenta, a intensidade é ajustada para possibilitar a realização de um número determinado de repetições.
Em resumo, é possível ajustar as variáveis do treinamento para que a falha aconteça dentro de uma zona alvos de repetições desejada. Para saber mais, acesse nosso artigo completo sobre a cadência do treinamento!
Falha muscular e manipulação de outras variáveis do treinamento.
Como vimos, a falha muscular é um meio de recrutar, fadigar e consequentemente estimular, o maior número de unidades motoras possível. Vimos também que o momento em que a falha muscular acontece pode depender de outras variáveis do treinamento.
Contudo, ainda podemos fazer a seguinte reflexão: É necessário manipular outras variáveis, já que treinar até a falha parece estimular a maior parte das unidades motoras que podem ser recrutadas no treinamento? Alguns estudos têm investigado o efeito da manipulação de diversas variáveis do treinamento, e podem nos ajudar a responder essa pergunta.
Hipertrofia muscular.
Existem trabalhos que investigaram desde a manipulação de uma única variável de treinamento até manipulações de diversas variáveis dentro de um mesmo programa de treinamento.
No primeiro caso, os estudos investigaram diferentes formas de manipular uma das seguintes variáveis: intensidade (3, 8), ação muscular (9), pausa (10) ou cadência (11). Esses estudos demonstraram que uma vez treinando próximo ou até a falha muscular concêntrica, manipular essas variáveis isoladamente parece não afetar a resposta hipertrófica.
Também existem estudos que realizaram manipulações em mais de uma variável, como nos sistemas de treinamento drop-set, piramidal, rest-pause, cluster-set, etc. Esses estudos também demonstraram respostas hipertróficas similares entre esses sistemas e o treinamento tradicional, desde que realizados próximos ou até a falha (12).
Por fim, existem estudos que manipularam diversas variáveis dentro de um mesmo programa de treinamento. Os resultados também demonstraram hipertrofia muscular similar entre o protocolo que manipulou as variáveis e o protocolo tradicional, ambos realizados até a falha muscular (13).
Portanto, treinar próximo ou até a falha muscular parece promover um estímulo suficiente para a hipertrofia, mesmo sem manipulações específicas em outras variáveis do treinamento. Nesse caso, as variáveis podem ser manipuladas para que a falha aconteça numa zona alvo de repetições desejada, sem preocupações em comprometer a hipertrofia.
Força muscular.
Quando o principal objetivo é aumentar a força, a falha deve ser utilizada com mais cautela. Nos programas de treinamento para o aumento da força, cargas muito próximas das máximas devem ser utilizadas (14).
Nesse sentido, esses programas de treinamento são desenhados para evitar acúmulos de fadiga. Do contrário, a realização dos exercícios com altas cargas e consequentemente os aumentos de força podem ser comprometidos.
Portanto, estratégias que minimizem o acúmulo de fadiga devem ser utilizadas. Como o principal objetivo de treinos realizados próximos ou até a falha é o aumento da fadiga, essas estratégias não devem ser utilizadas.
Além disso, outras estratégias como a utilização de pausas longas, também devem ser utilizadas para minimizar o acumulo de fadiga (14).
Explorando a falha no treinamento!
Treinar próximo ou até a falha pode nos ajudar a simplificar as sessões e também otimizar as adaptações ao treinamento! Como vimos, treinar próximo da falha muscular já é capaz de estimular o maior número de unidades motoras que podem ser recrutadas com o treinamento.
Nesse sentido, manipulações específicas em outras variáveis (intensidade, pausa, cadencia, ação muscular, etc.) não são obrigatórias para otimizar a hipertrofia muscular. Isso nos abre um grande número de possibilidades!
Afinal, desde que realizado próximo da falha muscular, as outras variáveis do treinamento podem ser adequadas para atender as necessidades e preferencias do praticante.
Tomemos como exemplo um paciente idoso que não tolera ou não pode ser submetido ao treinamento de alta intensidade por algum motivo clinico. Podemos prescrever o treinamento de baixa intensidade realizado próximo da falha para produzir respostar hipertróficas similares ao treinamento de alta intensidade.
Utilizando a falha em outros métodos de treinamento.
A falha muscular também possibilita que métodos de treinamento que não utilizam os equipamentos tradicionalmente encontrados nas academias produzam adaptações similares ao treinamento tradicional.
Um desses métodos é o treinamento suspenso, conhecido comercialmente como TRX®. Um estudo demonstrou aumentos similares na espessura e força muscular entre o treinamento suspenso e o realizado com os equipamentos convencionais, ambos até a falha (15). Caso queira saber mais, acesse nosso artigo sobre o treinamento suspenso!
O treinamento realizado somente com o peso do corpo, ou seja, sem equipamentos, também se beneficia com a realização da falha muscular. Tem sido sugerido que o treinamento com o peso do corpo até a falha muscular promove aumentos de massa muscular similares ao treinamento tradicional.
Além de não necessitar de equipamentos, o treinamento com o peso do corpo realizado até a falha pode ser realizado praticamente em qualquer lugar!
Conclusão.
Usar a falha muscular com essas perspectivas pode aumentar a satisfação e consequentemente, a aderência do praticante ao programa de treinamento!
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